Racismo no Sítio do Pica-pau Amarelo

Por Ottaviano de Fiore
Para Ruth Rocha e Pedro Bandeira, em memória de nossas conversas na redação da Abril Cultural.

José Bento Monteiro Lobato (1882 ­– 1948), autor maior da nossa literatura infantil, fazendeiro indignado, promotor público demissionário, editor audacioso, petroleiro fracassado, preso político e espírita desconfiado, nasceu durante a escravidão e aos seis anos de idade testemunhou a Abolição.

Recentemente militantes negros o denunciaram como racista. Uma acusação que além de pautar os jornais fez o Conselho Federal de Educação vetar a adoção de Caçadas de Pedrinho nas escolas: fugindo da onça, tia Nastácia trepa numa árvore com a agilidade de uma “macaca de carvão”. Este veto causou um protesto quase uníssono dos nossos escritores o que levou o Ministro a absolver Lobato. Mas ele não convenceu as associações negras, que continuam reclamando. Dois estados, Mato Grosso e Paraíba, já excluíram o livro de suas escolas e o debate não vai esfriar.

Muitos intelectuais da minha geração – e não só eles – ouviram falar pela primeira vez de Dom Quixote e de Robinson Crusoé, do Barão de Münchausen e de Péricles, dos deuses gregos e do folclore brasileiro, bem como se interessaram por Gramática, Aritmética, máquinas, Geografia e muito mais, naquela enciclopédia infantil sui generis – hoje algo envelhecida, mas ímpar – que, entre 1921 e 1942, Lobato escreveu para nós, os brasileirinhos que ele encantou e educou. Tenho uma amiga que, aos nove anos, decidiu tornar-se bióloga depois de ler O Laboratório do Visconde, uma introdução de Lobato à Endocrinologia.

Assim como Hendrick van Loon, o divulgador enciclopédico para adultos que tanto o influenciou (van Loon foi o Lobato de Monteiro Lobato), ele só ensinava aquilo que o interessava. Lobato, por exemplo, não nos introduziu à história do Brasil. Na História do Mundo para as Crianças. Pedro II e a Princesa Isabel são apenas dois parágrafos de um texto sobre Lincoln. Lobato fez, entretanto, uma excelente adaptação das memórias de Hans Staden, artilheiro alemão prisioneiro dos tupis então antropófagos, um clássico da nossa primeira colonização.

 

(texto completo)

 

 

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